O Supremo Tribunal Federal (STF) já concedeu o benefício da prisão domiciliar humanitária a 21 condenados, incluindo o general Augusto Heleno, e negou o pedido a outros 17, entre os quais o ex-presidente Jair Bolsonaro. A informação é resultado de um levantamento do g1 que analisou 99 decisões da Corte até 22 de dezembro de 2025.

A prisão domiciliar humanitária não está prevista em lei, mas é concedida excepcionalmente pela Justiça, principalmente a presos em regime fechado que apresentam doenças graves. Ela difere do recolhimento domiciliar (para regime aberto) e da prisão domiciliar preventiva.

Perfil dos beneficiados e dos que tiveram pedidos negados

Dos 21 condenados que obtiveram o benefício, 15 são idosos e todos alegaram problemas de saúde física ou mental. O general Augusto Heleno, de 78 anos, foi um deles, tendo alegado Alzheimer.

Entre os 17 que tiveram o pedido negado, 15 também alegaram problemas de saúde. A maioria (10) tem menos de 60 anos, diferentemente de Bolsonaro.

Contexto das condenações e análise dos pedidos

O levantamento analisou 38 condenados pela Corte à prisão em regime fechado que solicitaram a prisão domiciliar humanitária. Desses, 31 estavam envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, que geraram o maior número de condenações pelo STF na história. Os outros sete casos envolviam crimes eleitorais, lavagem de dinheiro, corrupção (como o ex-deputado Paulo Feijó, no escândalo dos Sanguessugas) ou atentado contra os Poderes (caso do ex-deputado Roberto Jefferson). Incluem-se também o ex-presidente Fernando Collor, condenado na Lava Jato, e os ex-deputados Nelson Meurer e José Genoíno, condenados no Mensalão.

Como a maioria dos pedidos era de réus do 8 de janeiro, o ministro relator dos inquéritos, Alexandre de Moraes, avaliou 32 dos 38 casos. Ele concedeu o benefício a 17 pessoas: 15 condenados pelo 8 de janeiro, além de Collor e Roberto Jefferson. Negou o pedido a outras 15, todas envolvidas nos atos golpistas, incluindo Bolsonaro.

Critérios e análise caso a caso

Segundo o professor de direito penal Pedro Kenne, mestre pela UFRGS, o STF concede a prisão domiciliar humanitária de forma excepcional, com análise muito particular. “Depende do exame específico da situação do preso e do estabelecimento em que ele deve cumprir pena, para definir se o Estado tem ou não condições de prover adequado cuidado de saúde. Esse é o critério essencial do benefício”, afirmou.

Kenne explica que não há previsão legal de prisão domiciliar para condenados em regime fechado ou semiaberto. O que existe é o recolhimento domiciliar para regime aberto (Lei de Execução Penal) e para presos preventivos (Código de Processo Penal), condicionado a idade (70 anos para condenados, 80 para preventivos), doenças graves, ou gravidez/maternidade.

Na prática, o laudo do médico do presídio costuma ser determinante. Se atestar que a unidade pode oferecer tratamento adequado, a tendência é a negativa do benefício. “Se há tratamento minimamente adequado àquela doença, ainda que não seja o desejado pelo preso, não há que ser deferida a prisão domiciliar”, disse Kenne.

Casos emblemáticos

Concessões mesmo com laudo médico contrário: Em quatro casos, Moraes concedeu o benefício mesmo com laudo atestando que o presídio tinha condições de tratar o detento.

Benefício concedido novamente após descumprimento: Vildete Ferreira da Silvia Guardia, 74 anos, condenada a dez anos pelo 8 de janeiro, recebeu o direito à prisão domiciliar em maio de 2025, perdeu-o ao descumprir as regras, e teve o benefício restabelecido em agosto. O laudo afirmava que seu estado não era incompatível com o sistema prisional, mas Moraes considerou a idade e doenças associadas como risco de agravamento.

Benefício não renovado após descumprimento: Iraci Megumi Nagoshi, 72 anos, condenada a 12 anos pelos mesmos crimes, ganhou o direito em abril, mas começou a sair de casa sem autorização para atividades como musculação e pilates. Quando pediu novamente em setembro, Moraes negou.

Negativa e morte na prisão: O ex-deputado Nelson Meurer, primeiro condenado no Mensalão, teve seu pedido de prisão domiciliar humanitária negado pela segunda turma do STF em junho de 2020, durante a pandemia. Aos 77 anos e no grupo de risco da Covid-19, ele morreu na prisão em julho daquele ano, após ser internado com a doença. O relator, ministro Edson Fachin, considerou que o presídio havia adotado medidas contra o contágio.

Precedentes e igualdade perante a lei

Antes de 2020, ministros como Luís Roberto Barroso e Rosa Weber defenderam que decisões desse tipo deveriam observar a igualdade entre detentos, evitando exceções individuais.

Em 2014, Barroso negou o benefício ao ex-deputado José Genoíno (Mensalão), afirmando que “as pessoas, ricas ou pobres, podem não ter igualdade perante a vida, mas devem tê-la perante a lei”. O plenário do STF também negou o pedido de Roberto Jefferson naquele ano, com Barroso ressaltando que a decisão deveria valer para todos em situação equivalente. Mais de dez anos depois, em maio de 2025, Alexandre de Moraes concedeu a prisão domiciliar humanitária a Jefferson, então condenado por atentar contra o exercício dos Poderes.

Fonte: g1.globo.com