O governo brasileiro enfrenta um momento de tensão nas negociações do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia. Com a data de assinatura marcada para 20 de dezembro, em Foz do Iguaçu, há um receio crescente de que o bloco europeu recue a poucos dias do encerramento de um processo que se arrasta há 25 anos.

A próxima semana será decisiva. O tratado precisa ser aprovado em duas votações cruciais na Europa: uma no Parlamento Europeu e outra no Conselho Europeu, previstas para ocorrer entre os dias 16 e 18 de dezembro. Fontes próximas às negociações alertam que um adiamento agora poderia significar o fim das tratativas, com chances quase nulas de retomada no futuro. Nesse cenário, o Brasil, como maior economia do Mercosul, intensificaria sua busca por parceiros comerciais na Ásia.

O acordo, em discussão desde 1999, visa criar uma das maiores zonas de livre-comércio do mundo, abrangendo cerca de 718 milhões de pessoas e um PIB combinado de 22 trilhões de dólares. A fase negocial foi concluída em 2024, mas sua implementação depende da assinatura e ratificação.

Enquanto há consenso entre os membros do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia), a Europa ainda enfrenta divisões internas. A aprovação no Parlamento Europeu, por maioria simples, não é vista como um obstáculo. O grande desafio está no Conselho Europeu, onde é necessária uma “maioria qualificada”: o aval de pelo menos 15 dos 27 Estados-membros, que representem 65% da população do bloco.

Países como Alemanha, Espanha, Portugal e República Checa são fortes apoiadores. A oposição é liderada pela França e pela Polônia, com reservas também na Bélgica e na Áustria. O principal argumento dos opositores, especialmente da França, é o temor de que os produtores agrícolas europeus sofram com a concorrência dos produtos agropecuários sul-americanos.

Para contornar essa resistência, negociadores europeus criaram cláusulas de salvaguarda para o setor agrícola, aprovadas esta semana pelo Comitê de Comércio Internacional da UE. Elas permitem suspender vantagens tarifárias aos produtos do Mercosul caso haja um aumento de 5% no volume dessas exportações em relação ao ano anterior. Estas salvaguardas também serão votadas na próxima semana.

O “fiel da balança”, segundo diplomatas, é a Itália. Com cerca de 59 milhões de habitantes, é o terceiro país mais populoso da UE. Cálculos indicam que uma negativa italiana, somada às esperadas da França e da Polônia, poderia inviabilizar o acordo, pois os três juntos representam aproximadamente 36% da população europeia. Embora um diplomata italiano tenha sinalizado apoio recentemente, o clima entre os negociadores é de extrema cautela.

Um auxiliar da Presidência da República, em caráter reservado, criticou uma possível rejeição europeia como um sinal de “fragilidade” das lideranças do bloco. Ele argumentou que o acordo fortaleceria o multilateralismo comercial num momento de ataques a esse sistema, citando a postura do ex-presidente norte-americano Donald Trump. A fonte também acusou a UE de aplicar “dois pesos e duas medidas”, preferindo aceitar um acordo “assimétrico” com os EUA a fechar um tratado mais vantajoso com o Mercosul, em referência a um compromisso firmado entre Washington e Bruxelas em agosto.

Diante do risco de fracasso, a alternativa para o Brasil e o Mercosul, na visão do governo, é buscar novas parcerias, especialmente na Ásia. Os números reforçam essa estratégia: em 2025, a China já adquiriu US$ 94 bilhões em produtos brasileiros, mais que o dobro dos US$ 45 bilhões comprados pelos países da União Europeia.