Pressão fiscal ameaça acordo histórico contra o desmatamento

Algumas das maiores tradings de soja do mundo estão se preparando para abandonar a Moratória da Soja, um acordo que limita o desmatamento na Amazônia há quase 20 anos. A decisão é uma resposta a uma nova lei do Mato Grosso que, a partir de janeiro, retira incentivos fiscais de empresas participantes do programa de conservação. O estado é o maior produtor nacional de soja, com cerca de 51 milhões de toneladas na safra 2025.

O peso dos incentivos fiscais

Um relatório preliminar do Tribunal de Contas do Estado apontou que as tradings de grãos se beneficiaram de incentivos fiscais de aproximadamente R$ 4,7 bilhões entre 2019 e 2024. As norte-americanas ADM e Bunge foram as maiores beneficiárias, recebendo cerca de R$ 1,5 bilhão cada. Empresas como Cargill, Cofco e Amaggi, também signatárias do pacto, possuem unidades no estado que se beneficiam desses incentivos.

“A maioria das empresas vai preferir não perder os incentivos fiscais e se retirar do acordo”, disse uma fonte com conhecimento direto do assunto à Reuters. Essa saída, na prática, encerraria um pacto firmado em 2006 com o governo federal e organizações ambientalistas.

O que é e por que a Moratória da Soja é importante

A Moratória da Soja é considerada uma das forças mais importantes para desacelerar o desmatamento na Amazônia brasileira nas últimas duas décadas. Ela impede que as empresas signatárias comprem soja de produtores que plantam em áreas desmatadas após julho de 2008.

Pesquisadores estimam que, sem a moratória, uma área de floresta do tamanho da Irlanda teria sido convertida em lavouras de soja no Brasil, seguindo o ritmo de expansão observado em países vizinhos como a Bolívia.

Um precedente perigoso em meio à crise climática

A lei de Mato Grosso, aprovada em 2023, é vista como um recuo nas políticas climáticas. “É um precedente perigoso e não é o que precisamos em um momento de emergência climática”, afirmou Cristiane Mazzetti, responsável pela moratória no Greenpeace.

O governo federal tem argumentado na Justiça contra a nova lei. “Se o governo de Mato Grosso realmente retirar esses incentivos, ouvimos dizer que algumas, ou muitas, empresas de fato vão abandonar a moratória por razões econômicas”, disse André Lima, secretário extraordinário do Ministério do Meio Ambiente.

Consequências para a política ambiental brasileira

O possível desmonte da Moratória tende a fortalecer grupos de poder rural. Ambientalistas alertam que isso pode abrir caminho para o enfraquecimento de outras salvaguardas, como dispositivos do Código Florestal que protegem a vegetação nativa nas propriedades.

A tendência também chamou a atenção na Europa, onde entidades de agricultores defendem barrar o acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul devido ao impacto do agronegócio brasileiro sobre os ecossistemas.

Outras pressões sobre o acordo

Além da pressão fiscal, a Moratória da Soja enfrenta uma investigação do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) por possível violação das regras de concorrência. Produtores de soja em Mato Grosso também entraram com ações contra as tradings, cobrando cerca de US$ 180 milhões por conta de sua participação no pacto.

O Supremo Tribunal Federal suspendeu a investigação antitruste, mas permitiu que a lei de Mato Grosso entrasse em vigor. Organizações ambientalistas ainda tentam barrar a norma estadual antes de uma decisão final da Justiça.

Fonte: G1 – Agronegócios