A tradição de carregar um canivete no bolso atravessa gerações no meio rural e permanece viva na rotina de muitos trabalhadores do campo. Mais do que um acessório, a faca é uma ferramenta indispensável, utilizada tanto nas tarefas diárias quanto em momentos de descontração, como no corte de uma fruta.

Essa ligação histórica com as lâminas mantém viva a arte da cutelaria – o ofício de fabricar facas e instrumentos de corte. Em Mirassol, no interior de São Paulo, Edmilson Carlos da Silva dedica-se a esta arte há mais de uma década. Em sua oficina, produz peças artesanais que conquistam clientes em diversas regiões do Brasil e até no exterior.

O caminho foi de aprendizado constante. Sem equipamentos no início, Edmilson buscou conhecimento em livros e vídeos até dominar as técnicas. Hoje, a cutelaria é um negócio familiar: o filho também produz facas, enquanto a esposa é responsável pelas vendas e pela divulgação do trabalho.

Um dos grandes diferenciais da produção está no compromisso com a sustentabilidade. Discos de arado, ferramentas agrícolas desgastadas e outros materiais que seriam descartados ganham uma nova vida e função nas mãos hábeis do cuteleiro. Esta prática não só reduz custos, como confere um caráter único a cada peça. Grosas utilizadas no casqueamento de cavalos, por exemplo, são transformadas em facas exclusivas, que muitas vezes preservam as marcas e texturas originais do material.

O processo de transformação ocorre na forja, onde o aço é aquecido a temperaturas que variam entre 700 e 1.000 graus Celsius. O domínio do tratamento térmico é considerado pelos profissionais como etapa crucial para garantir a resistência, o fio e a durabilidade da lâmina. Embora seja possível trabalhar com aço carbono ou inoxidável novo, o reaproveitamento de materiais consolida-se como uma alternativa economicamente viável e ecologicamente consciente.

Em outra oficina da região, Gilsimar também abraçou a cutelaria como profissão. Há seis anos, transformou um antigo barracão de ferramentas agrícolas em seu ateliê. Cada faca passa por etapas minuciosas de lixamento, polimento e afiação. Muitas peças mantêm o estilo conhecido como “brut de forge” (forja bruta), que valoriza a aparência crua e autêntica do aço, sem esconder suas imperfeições originais.

Os cabos seguem a mesma proposta de autenticidade e conexão com o meio rural. São confeccionados com madeira, chifre ou ossos de animais, sempre com a devida autorização dos órgãos ambientais. Desde os canivetes mais compactos até os cutelos robustos, cada peça é pensada para uma finalidade específica, unindo funcionalidade e beleza artesanal.

Para esses artesãos, ver uma faca concluída, repleta de detalhes e história, e saber que ela nasceu da transformação de um material que seria jogado fora, é uma fonte de imenso orgulho. É este sentimento que os motiva a continuar aperfeiçoando sua arte, mantendo viva uma tradição que respeita o passado, valoriza a sustentabilidade e cria objetos com alma e utilidade.

Fonte: G1 – Nosso Campo. Reportagem exibida em 21/12/2025. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sorocaba-jundiai/nosso-campo/noticia/2025/12/21/cuteleiros-reciclam-materiais-e-criam-facas-unicas.ghtml